Dedicado a Ana Cristina
Há cerca de uma semana acordei com uma pontada de dor no pescoço, um impenitente torcicolo; queixei-me todo o dia, rogando pragas a tudo. Dois dias depois o foco de dor ainda perdurava; sentia-me deveras angustiado; como se não bastasse, ocorreu-me pensar se não haveria penhascos sobre mim, tal são os dias de depressão – porque eu tenho um medo de morte ao penhascos sobre a cabeça, nomeadamente se eles são ameaçadoramente grandes e pontiagudos. Decidi portanto que nessa tarde me iria deitar na cama e descansar um pouco da atribulação que fora essa semana; eu já não via nem ouvia coisíssima nenhuma à minha volta; foi como uma poalha de dor que me toldou o espírito. Mais tarde vim a saber que o meu cunhado estivera no hospital à conta de um mau jeito nas costas, pensando para mim se também eu não teria feito melhor consultar um médico; mas não, muito provavelmente iria ficar horas a fio com uma pulseira com prioridade mínima pelos corredores dos hospitais. «Isso não é nada, rapaz – disse o meu pai suspirando. – Já se sabe como é a essa tua hipocondria: queixas-te por tudo e por nada. De tal forma que essa dor é uma coisa muito pequena. «Brinca! – asseverei eu. – E dá graças a deus que penhascos do tamanho de prédios inteiros não te caiam em cima da moleirinha. «Hahaha – riu o meu pai com um gritinho – isso é apenas um torcicolo, nada mais!» De maneira que fui deitar-me para me restabelecer de uma dor que agora atingia vários pontos na zona das costas. Eu estava mais morto que vivo. Deixei-me cobrir com um edredão. Efetivamente um soninho brando apossou-se de mim. Passei pelas brasas, e aposto que no meu rosto se vislumbraria um sorriso de satisfação. Quando, neste somenos, de forma absolutamente inacreditável e picaresca, um pardal me ataca e corrói a bochecha da cara, num sonho sinistro e doentio. A ave parecia apossada de horror bárbaro e atroz; desferia bicadas incessantes, delapidando a minha carne. As minhas mãos tentavam em vão proteger o meu rosto conspurcado pelo bico diabólico. Acordei comovido, num pequeno gritinho encandecido. Mais tarde, a Ana perguntou-me se o bico era amarelo. Nesse caso seria um melro, certo? Tratava-se de um pardal vulgar. Não ganhei para o susto. «Não digas mais nada» - disse o meu cunhado quando voltou do Hospital.